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22/02/2018
Garça 

OS DOIS (OU MUITOS?) BRASIS

"Vós sois todos irmãos" (Mt 23,8)

Tenho aqui em casa, minha cara leitora, um livro de Jacques Lambert, denominado Os dois Brasis. Livro clássico a mostrar que nosso País não é um só na cultura, nem na História, nem na origem social. É a nossa realidade: somos um continente de povos diversos, pluralista portanto, mas injustamente diferente. Na verdade, somos muitos Brasis. Só que nos dias de hoje chegamos a um ponto em que vivemos divididos em dois Brasis que se odeiam reciprocamente.

De 2013, especialmente de 2014 a esta parte, vivemos a experiência do ódio entre nós, manifestado em parte nas últimas eleições gerais (que dividiram o País ao meio). Ódio estimulado pela mídia, de modo particular a golpista Rede Globo; ódio provocado pelas redes sociais, e sob as bênçãos de autoridades de um Judiciário partidarizado, a dar a impressão de perseguição ao temido pré-candidato (condenado sem provas) Lula, e ao PT, mas na verdade à esquerda brasileira, ou melhor ainda, ao projeto nacional de democracia, com inclusão, com distribuição de renda, onde o Estado seja indutor de desenvolvimento.

E deixam-se livres políticos comprovadamente corruptos (como Aécio Neves, José Serra, Michel Temer) a defender um governo usurpado, depois de um golpe contra a democracia, tramado com apoio de alguns empresários e rentistas vinculados a movimento internacional para reduzir nosso País de novo à situação de colônia, depois de quase duzentos anos de Independência, e de termos chegado à oitava economia mundial com altivez, com autonomia que nos enchia de orgulho. Agora estão pondo literalmente o País à venda, dilapidando o patrimônio nacional, enquanto a elite rica se afoga, especialmente parte do Judiciário e do Ministério Público, em privilégios, como o vergonhoso auxílio-moradia para quem já tem residência própria e até muitos imóveis.

Essa vergonha nacional foi mostrada e repercutiu no Brasil e no mundo com arte e sensibilidade até no desfile de carnaval de 2018 através de uma escola de samba (Paraíso do Tuiuti) cuja apresentação marcará história. Sem falar da frase marcante em viaduto onde se lia: “STF se prender Lula, o morro desce”. Estamos todos incomodados em todas as regiões do País, de modo particular nos grandes centros onde o contraste é excessivo.

O ambiente de tantos contrastes entre a Casa Grande e a Senzala me recorda um pouco o ambiente que precedeu a Revolução Francesa no fim do século XVIII: muitos privilégios de alguns contra as muitas necessidades e  apertos de vida da grande maioria do povo. Isso provoca e favorece a explosão social, pois distancia sempre mais as classes sociais. Onde não há justiça, não há paz. A desigualdade sempre açula o ódio e a violência. Desde sempre.

E vivemos num ambiente insuportável, irrespirável, tenso, pois não se consegue frear a violência de todo tipo a assaltar os cidadãos trabalhadores. Além disso, violência no ambiente prisional. Violência nas escolas. Violência no campo. Violência contra os povos indígenas. Violência contra crianças, jovens e adolescentes, especialmente negros. Violência do tráfico. Violência às mães de jovens vítimas de execução sumária. Violência e vulnerabilidade social de mulheres. A Casa Grande odiando a Senzala, e a Senzala indignando-se contra a Casa Grande. O verdadeiro País dos sonhos da Casa Grande não é o Brasil, pois eles se sentem bem apenas em Londres, em Paris, em Miami ou em Nova Iorque.

Até as grandes forças vivas da Nação – a Universidade, a Igreja, a OAB, ABI e outras estão aparentemente caladas e atônitas. Um pingo d´água nesse incêndio a se alastrar pelo Brasil, ou pelos diversos Brasis em que nos tornamos, pode ser a Campanha da Fraternidade de 2018, cujo lema é: “Vós sois todos irmãos”, e cujo tema é “Fraternidade e superação da violência”. Contra todas as violências individuais e sociais que estão saindo da Caixa de Pandora com todas as suas maldades, todos os cristãos, unidos a todas as mulheres e todos os homens de boa vontade, precisamos fazer alguma coisa. Ainda que seja uma gota d´água.

A mudança não vem de fora para dentro; mas há de vir de dentro do ser humano, do interior de cada um de nós (conversão) para fora (transformação). Se eu mudo, o mundo muda de alguma forma imediatamente. Mas se eu esperar o mundo mudar para depois mudar, eu também não mudo. Os gestos mais concretos para aliviar as violências acima citadas é a luta por políticas públicas a serem implantadas nos municípios, nos Estados e na União.

Todos os cristãos e os homens e mulheres de boa vontade somos chamados a superar, com pequenos e grandes gestos, a violência que sempre atribuímos aos outros, mas que está dentro, escondida ou às claras, do coração da gente. “Somos todos uma só família”! – canta uma ária de ópera de Verdi. “Somos todos irmãos” diz o Evangelho a nós nos dias de hoje, como dizia no início do cristianismo. Numa família realmente unida, não se nega a diversidade individual de cada filho, mas não tem cabimento um irmão explorar, oprimir, reprimir ou rejeitar outro irmão.

Como mostra o Cartaz da Campanha da Fraternidade deste ano, unamo-nos dois a dois, homens e mulheres, jovens e idosos, negros e brancos, e construamos na diversidade a trama da fraternidade e da justiça, sem a qual não haverá paz em nosso mundo conturbado, particularmente em nosso País tão desigual. No fundo da caixa de Pandora, como diz o mito, sai por último a esperança. Com a qual se pode construir uma sociedade nova e um mundo novo. Menos com palavras ou promessas do que com ações concretas. Já.


LETTERIO SANTORO – 14.02.2018

Membro da APEG (Associação de Poetas e Escritores de Garça)



 


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